Notícia: O estopim das revoltas no Oriente Médio ocorridas a partir da Tunísia, onde Mohamed Bouazizi ateou fogo ao próprio corpo.
“O rapaz havia se formado na universidade, mas sem emprego teve que trabalhar como vendedor de rua. Quando autoridades corruptas confiscaram sua barraca, sua angústia foi tão grande que ele se suicidou em plena rua, colocando fogo ao próprio corpo. Muitos se identificaram com seu sofrimento e ele virou um símbolo para as injustiças do país, inclusive para a rede de corrupção que ia da família Ben Ali aos funcionários mais subalternos do Estado.”
Fonte: http://todososfogos.blogspot.com/2011/01/rebeliao-na-tunisia-e-democracia-no.html
“Twenty-six-year-old Mohamed Bouazizi, living in the provincial town of Sidi Bouzid, had a university degree but no work. To earn some money he took to selling fruit and vegetables in the street without a licence. When the authorities stopped him and confiscated his produce, he was so angry that he set himself on fire.
Rioting followed and security forces sealed off the town. On Wednesday, another jobless young man in Sidi Bouzid climbed an electricity pole, shouted "no for misery, no for unemployment", then touched the wires and electrocuted himself.
On Friday, rioters in Menzel Bouzaiene set fire to police cars, a railway locomotive, the local headquarters of the ruling party and a police station. After being attacked with Molotov cocktails, the police shot back, killing a teenage protester.
By Saturday, the protests had reached the capital, Tunis – and a second demonstration took place there yesterday”
Fonte: http://www.guardian.co.uk/commentisfree/2010/dec/28/tunisia-ben-ali
A ação tomada a cabo por Mohamed Bouazizi é um fato rico para estudo em Psicologia Social. Como este ato isolado (se é que um ato pode ser isolado) pôde desencadear a Revolução de Jasmim que retirou do poder o ditador Zine El Abidine Ben Ali e espraiou para a região uma onda de revoltas populares?
“Estou viajando mãe. Perdoe-me. Reprovação e culpa não vão ser úteis. Estou perdido e está fora das minhas mãos. Perdoe-me se não fiz como você disse e desobedeci suas ordens. Culpe a era em que vivemos, não me culpe. Agora vou e não vou voltar. Repare que eu não chorei e não caíram lágrimas de meus olhos. Não há mais espaço para reprovações ou culpa nessa época de traição na terra do povo. Não estou me sentindo normal e nem no meu estado certo. Estou viajando e peço a quem conduz a viagem esquecer”[3]
Cabe aqui a constatação de Marcuse[4]: Se são violentos é porque estão desesperados. Thompson[5] assinala que As ações simbólicas podem provocar reações, liderar respostas de determinado teor, sugerir caminhos e decisões, induzir a crer e a descrer, apoiar os negócios do estado ou sublevar as massas em revolta coletiva. É isto que se vê claramente no ato do tunisiano, desencadeador de um efeito dominó, o já chamado “Efeito Tunísia” que está abalando os governos da região, como Egito, Líbia, Síria, Bahrein. Para a divulgação e, podemos dizer, propulsão deste efeito, o poder de organização através da internet tem se mostrado essencial, e aqui percebemos concretamente a afirmativa de Guareschi[1] de que a comunicação, hoje, constrói a realidade. A comunicação entre sociedades tensionadas por governos repressores é o que está corroendo estes mesmo governos. Verificamos uma dinâmica comunicativa (sintetizada na figura abaixo), de relações, intra e intersociedades, mesmo com as tentativas coercitivas de cerceamento da liberdade de expressão, cerceamento este que a internet vem tangenciando.
A partir da nova relação governo-sociedade o povo retoma a soberania, entendida aqui conforme o formulado por Reale[6]: o poder de organizar-se juridicamente e de fazer valer dentro de seu território a universalidade de suas decisões nos limites dos fins éticos de convivência. Com este conceito verifica-se o desmoronamento do poder autoritário de exceção e a formação de umnovo contrato social, uma nova relação do sujeito com a pólis, com a comunidade que legitima as novas autoridades. Participação é comunicação, seja em regimes democráticos, comunistas, anárquicos, o que dá sentido, o que constrói a autoridade é o povo, como titular da soberania que se comunica, que sustenta o poder. Importante também dentro do conceito de Reale a necessidade de a soberania constituir-se de fins éticos, Guareschi[7] nos ensina que ética não pode ser considerada fora das relações, ninguém é ético sozinho: só podemos falar em ética no contexto de relações.
Solomon Asch[8], em seu Psicologia Social, nos apresenta a Tese Individualista e a Tese da Mentalidade Coletiva, doutrinas que à época dividiam as ciências sociais. Para a Tese Individualista o indivíduo é a única realidade, os processos psicológicos se desenvolvem somente no indivíduo, é a única unidade acessível à observação, somente ele decide e age. Verifica-se uma conexão entre tal concepção e a Cosmovisão do Liberalismo Individualista, para este entendimento o indivíduo é separado do grupo, é o divisum a quolibet alio (separado de tudo mais), é um sujeito solipsista, egocentrado. A Tese da Mentalidade Coletiva entende que o sujeito se perde no grupo, os seres são apenas instrumentos pelos quais as forças culturais agem. Relacionada a esta teoria está a Concepção do Totalitarismo Coletivista[9] que toma o homem como peça do sistema, massificado pelo coletivo.
Entende-se aqui que nenhuma das doutrinas extremas apresentadas por Asch satisfazem a análise de um fato como o apresentado a partir da ação desesperada de Mohamed Bouazizi. Asch assinala que
Os fatos coletivos precisam ter seu fundamento nos indivíduos; a consciência do grupo, as intenções e os valores do grupo existem nos indivíduos e somente neles. Mas deixam de ser simplesmente fatos individuais em virtude de sua referência a outros. Conclui-se que um processo de grupo não é a soma de atividades individuais nem um fato acrescentado às atividades dos indivíduos
Posição semelhante ao já visto raciocínio de Guareschi quando este trata da ética. A relação, a comunicação é por demais complexa para ser bem compreendida se enquadrada em uma das teorias dicotômicas. Estudos sobre fatos tão complexos como o apresentado necessitam de uma relação de conhecimentos interdisciplinar, para tal devemos relembrar do ensinamento de Martín-Baró:[10]
Não se trata de abandonar a psicologia; trata-se de colocar o saber psicológico a serviço da construção de uma sociedade em que o bem estar dos menos não se faça sobre o mal estar dos mais, em que a realização de alguns não requeira a negação dos outros, em que o interesse de poucos não exija a desumanização de todos.
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