A Longa Marcha da República
As polícias e as Forças Armadas ocuparam o Complexo do Alemão em poucas horas, sem confronto violento, mas os traficantes não se entregaram, nem foram presos, o que faz crer que estão escondidos nas casas dos moradores (provavelmente mantendo muitos como reféns) ou abrigados nas matas das redondezas.
Caiu o mito do crime organizado todo-poderoso. O que vimos foi uma rede de compadres, arrogante, autoritária, cheia de bravatas, que desmoronou diante da reação rápida e decidida do poder público, com cenas humilhantes como a do traficante que urinou nas calças ao ser detido. Torço para tenhamos uma solução pacífica, com a captura dos bandidos.
A imagem mais marcante deste domingo foi o hasteamento da bandeira brasileira (e não a das unidades policiais de elite, como era habitual nas operações de invasão de favelas) no alto do complexo, simbolizando a (re)conquista do território pelo Estado. Mais uma foto para a iconografia bélica que tomou conta da cidade, numa semana que certa imprensa comparou ao desembarque Aliado na Normandia. Por esta lógica, este momento seria talvez como os soviéticos erguendo seu estandarte no Reichtag, durante a conquista de Berlim...
Mas o que vivemos no Rio - insisto no ponto - não é uma guerra. Nem sequer um conflito civil, de fundo religioso ou étnico. Os xiitas não tomaram o Alemão, os hutus não conquistaram Vila Cruzeiro. Trata-se de uma operação policial, com auxílio militar, para eliminar o controle de quadrilhas criminosas sobre bairros pobres. A linguagem bélica tem muitos usos e abusos, em especial legitimar atos autoritários do poder público contra a população mais vulnerável.
Todos os episódios marcantes da violência no Rio geraram um impulso de renovação e reforma, que murchou após poucas semanas de entusiasmo midiático. Isso ocorreu depois das chacinas dos anos 90 e de crimes chocantes como o sequestro do ônibus 174,o assassinato do jornalista Tim Lopes e o do menino João Hélio etc. Há consenso que são necesssárias transformações profundas no aparato legal-repressivo: um código prisional, um regime mais restritivo aos chefes criminosos, monitoramento de advogados e parentes de presos que agem como pombos-correios... Ainda não se fala na reforma da polícia - por exemplo, criação de uma força de ciclo único, que fundisse a PM e a Civil. Sou cético quanto à chance de algo assim avançar.
O Alemão havia sido palco de um grande conflito há quase quatro anos, no início do governo Cabral. Aquela operação fracassada acabou sendo o incentivo para outras iniciativas, que acabaram resultando nas UPPs. A tendência é expandir essa experiência para além das 13 comunidades nas quais foram implementadas e a ocupação do Alemão é o primeiro passo para a UPP nesse complexo de favelas.
O Alemão agora tem Estado, oxalá possa em breve ter também a República, entendendo por essa expressão aquilo que todos os outros brasileiros queremos e merecemos: império das leis, democracia, bens públicos básicos (educação, saúde, segurança). Implementá-la nas favelas requer o uso da força, para desalojar as quadrilhas criminosas que as controlam.
Louvemos o Estado de Direito Democrático: Forças Armadas e polícias são nossos instrumentos, a serviço dos cidadãos. O que vimos nestes dias é aquilo que deve ser normal em qualquer país decente - pessoas aplaudindo os agentes da lei, oferecendo-lhes água e ajuda, pedindo para tirar fotografias a seu lado. Estamos, felizmente, bem distantes do que via quando fui repórter, e testemunhava hostilidade ou indiferença da população a essas instituições. Tomara que tudo isso fique para trás, do mesmo modo como o país superou o descalabro econômico da hiperinflação e começa a avançar sobre a pobreza.
Acredito que esta operação visava a incentivar a opinião pública nacional e internacional a uma nova visão sobre o Rio de Janeiro, cidade que sediará o mais importante evento esportivo do mundo - as Olimpíadas.
ResponderExcluirAcho que o ponto foi o de dar uma resposta à opinião pública mesmo. E diga-se de passagem a operação foi muito bem feita, com cooperação entre forças armadas e polícias, e sem um novo banho de sangue pra história do Brasil. A grande 'questã' agora é o depois, vão intalar uma UPP? OK, que bom, mas só isso basta? Logo a opinião pública se volta pra outro foco e o que que se vai fazer? O primeiro passo já foi tomado, o Estado recuperou a área, agora deve atuar pra não perdê-la de novo.
ResponderExcluirabraços.