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sexta-feira, 29 de abril de 2011

Pequena análise da Revolução de Jasmim


O texto abaixo foi produzido para a disciplina de Psicologia Social I e pretende responder a partir da leitura de uma notícia às questões:

1)Como a relação entre indivíduo e sociedade aparece na reportagem?

2)A reportagem se enquadra em alguma das doutrinas expostas por Asch ( Tese Individualista ou Tese da Mentalidade Coletiva) ?

Obs.: tive que arrumar o sistema de citações pra colocar aqui, tentei deixar da forma mais simples possível. Essa formatação do blogspot é realmente irritante.

Notícia: O estopim das revoltas no Oriente Médio ocorridas a partir da Tunísia, onde Mohamed Bouazizi ateou fogo ao próprio corpo.

“O rapaz havia se formado na universidade, mas sem emprego teve que trabalhar como vendedor de rua. Quando autoridades corruptas confiscaram sua barraca, sua angústia foi tão grande que ele se suicidou em plena rua, colocando fogo ao próprio corpo. Muitos se identificaram com seu sofrimento e ele virou um símbolo para as injustiças do país, inclusive para a rede de corrupção que ia da família Ben Ali aos funcionários mais subalternos do Estado.”

Fonte: http://todososfogos.blogspot.com/2011/01/rebeliao-na-tunisia-e-democracia-no.html

“Twenty-six-year-old Mohamed Bouazizi, living in the provincial town of Sidi Bouzid, had a university degree but no work. To earn some money he took to selling fruit and vegetables in the street without a licence. When the authorities stopped him and confiscated his produce, he was so angry that he set himself on fire.


Rioting followed and security forces sealed off the town. On Wednesday, another jobless young man in Sidi Bouzid climbed an electricity pole, shouted "no for misery, no for unemployment", then touched the wires and electrocuted himself.


On Friday, rioters in Menzel Bouzaiene set fire to police cars, a railway locomotive, the local headquarters of the ruling party and a police station. After being attacked with Molotov cocktails, the police shot back, killing a teenage protester.


By Saturday, the protests had reached the capital, Tunis – and a second demonstration took place there yesterday”

Fonte: http://www.guardian.co.uk/commentisfree/2010/dec/28/tunisia-ben-ali


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A ação tomada a cabo por Mohamed Bouazizi é um fato rico para estudo em Psicologia Social. Como este ato isolado (se é que um ato pode ser isolado) pôde desencadear a Revolução de Jasmim que retirou do poder o ditador Zine El Abidine Ben Ali e espraiou para a região uma onda de revoltas populares?

Não há aqui a pretensão de analisar especificidades das revoltas, entretanto um detalhe comum a estes movimentos é importante a ser elencado: a organização e divulgação através das novas redes sociais. Sobre esta situação deve-se atentar para a afirmativa de Guareschi[1] de que O Zeitgeist, hoje, é a comunicação. A comunicação permeia todo o raciocínio da análise que se pretende aqui.

Como a relação entre indivíduo e sociedade aparece na reportagem? Bouazizi havia passado por diversas humilhações, tentou conversar com o governador local, mas não foi atendido, não conseguiu estabelecer uma relação cidadã com a autoridade, foi impedido de se comunicar, de se relacionar de maneira democrática com sua pólis. A situação de um governo autoritário, cerceador de oportunidades e de diálogo com o povo - representado por Bouazizi - concretiza dominação, supressão de direitos, tensão sobre esse povo. Thompson[2] afirma que Interpretar a ideologia é explicar a conexão entre o sentido mobilizado pelas formas simbólicas e as relações de dominação que este sentido ajuda a estabelecer e sustentar. A dominação é latente em um governo que desconsidera o demos, e assim a cidadania, torna o sujeito despossuído de participação. Tal regime se sustenta por meio de métodos de coerção, pois não possui forças que o legitimem, já que a autoridade só possui sentido quando é legitimada pelo povo.

Decorrente desta forte tensão social, Bouazizi recorreu ao ato mais desesperado para poder se comunicar, sacrificou seu corpo como símbolo, oferecendo-o para que o mundo enxergasse sua sociedade e sua condição. Deixou uma última mensagem no site de relacionamentos Facebook (e aqui voltamos para o papel das novas redes sociais):

“Estou viajando mãe. Perdoe-me. Reprovação e culpa não vão ser úteis. Estou perdido e está fora das minhas mãos. Perdoe-me se não fiz como você disse e desobedeci suas ordens. Culpe a era em que vivemos, não me culpe. Agora vou e não vou voltar. Repare que eu não chorei e não caíram lágrimas de meus olhos. Não há mais espaço para reprovações ou culpa nessa época de traição na terra do povo. Não estou me sentindo normal e nem no meu estado certo. Estou viajando e peço a quem conduz a viagem esquecer”[3]

Cabe aqui a constatação de Marcuse[4]: Se são violentos é porque estão desesperados. Thompson[5] assinala que As ações simbólicas podem provocar reações, liderar respostas de determinado teor, sugerir caminhos e decisões, induzir a crer e a descrer, apoiar os negócios do estado ou sublevar as massas em revolta coletiva. É isto que se vê claramente no ato do tunisiano, desencadeador de um efeito dominó, o já chamado “Efeito Tunísia” que está abalando os governos da região, como Egito, Líbia, Síria, Bahrein. Para a divulgação e, podemos dizer, propulsão deste efeito, o poder de organização através da internet tem se mostrado essencial, e aqui percebemos concretamente a afirmativa de Guareschi[1] de que a comunicação, hoje, constrói a realidade. A comunicação entre sociedades tensionadas por governos repressores é o que está corroendo estes mesmo governos. Verificamos uma dinâmica comunicativa (sintetizada na figura abaixo), de relações, intra e intersociedades, mesmo com as tentativas coercitivas de cerceamento da liberdade de expressão, cerceamento este que a internet vem tangenciando.



A partir da nova relação governo-sociedade o povo retoma a soberania, entendida aqui conforme o formulado por Reale[6]: o poder de organizar-se juridicamente e de fazer valer dentro de seu território a universalidade de suas decisões nos limites dos fins éticos de convivência. Com este conceito verifica-se o desmoronamento do poder autoritário de exceção e a formação de umnovo contrato social, uma nova relação do sujeito com a pólis, com a comunidade que legitima as novas autoridades. Participação é comunicação, seja em regimes democráticos, comunistas, anárquicos, o que dá sentido, o que constrói a autoridade é o povo, como titular da soberania que se comunica, que sustenta o poder. Importante também dentro do conceito de Reale a necessidade de a soberania constituir-se de fins éticos, Guareschi[7] nos ensina que ética não pode ser considerada fora das relações, ninguém é ético sozinho: só podemos falar em ética no contexto de relações.

Solomon Asch[8], em seu Psicologia Social, nos apresenta a Tese Individualista e a Tese da Mentalidade Coletiva, doutrinas que à época dividiam as ciências sociais. Para a Tese Individualista o indivíduo é a única realidade, os processos psicológicos se desenvolvem somente no indivíduo, é a única unidade acessível à observação, somente ele decide e age. Verifica-se uma conexão entre tal concepção e a Cosmovisão do Liberalismo Individualista, para este entendimento o indivíduo é separado do grupo, é o divisum a quolibet alio (separado de tudo mais), é um sujeito solipsista, egocentrado. A Tese da Mentalidade Coletiva entende que o sujeito se perde no grupo, os seres são apenas instrumentos pelos quais as forças culturais agem. Relacionada a esta teoria está a Concepção do Totalitarismo Coletivista[9] que toma o homem como peça do sistema, massificado pelo coletivo.

Entende-se aqui que nenhuma das doutrinas extremas apresentadas por Asch satisfazem a análise de um fato como o apresentado a partir da ação desesperada de Mohamed Bouazizi. Asch assinala que

Os fatos coletivos precisam ter seu fundamento nos indivíduos; a consciência do grupo, as intenções e os valores do grupo existem nos indivíduos e somente neles. Mas deixam de ser simplesmente fatos individuais em virtude de sua referência a outros. Conclui-se que um processo de grupo não é a soma de atividades individuais nem um fato acrescentado às atividades dos indivíduos

Posição semelhante ao já visto raciocínio de Guareschi quando este trata da ética. A relação, a comunicação é por demais complexa para ser bem compreendida se enquadrada em uma das teorias dicotômicas. Estudos sobre fatos tão complexos como o apresentado necessitam de uma relação de conhecimentos interdisciplinar, para tal devemos relembrar do ensinamento de Martín-Baró:[10]


Não se trata de abandonar a psicologia; trata-se de colocar o saber psicológico a serviço da construção de uma sociedade em que o bem estar dos menos não se faça sobre o mal estar dos mais, em que a realização de alguns não requeira a negação dos outros, em que o interesse de poucos não exija a desumanização de todos.



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[1] Mídia e Democracia: o quarto versus o quinto poder. REVISTA DEBATES, Porto Alegre, v.1, n.1, p. 6-25, jul.-dez. 2007

[2] Citado por Marília Veronese e Pedrinho Guareschi em: VERONESE, M e GUARESCHI, P. Hermenêutica de Profundidade na pesquisa social. Ciências Sociais Unisinos, v.42, n.2, maio-ago., 2006

[3] Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Mohamed_Bouazizi>. Acesso em: 26 março 2011

[4] Citado por Arminda Aberastury em: ABERASTURY, A. e KNOBEL, M. Adolescência normal: Um enfoque psicanalítico. Porto Alegre: Artes médicas, 1981.

[5] THOMPSON, John B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. SãoPaulo: Editora Vozes 1995.

[6] Citado por Dalmo de Abreu Dallari em: DALLARI, D de A. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2010.

[7] GUARESCHI, P.Psicologia Social Crítica: como prática de libertação.Porto Alegre:EDIPUCRS, 2009

[8] ASCH, S. E. Psicologia Social. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1971.

[9] As concepções de Liberalismo Individualista e de Totalitarismo coletivista são apresentadas por Guareschi em: GUARESCHI,P.Psicologia Social Crítica: como prática de libertação.Porto Alegre:EDIPUCRS, 2009

[10] Estudos de Psicologia 1996, 2(1), 7-27


sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

No que dará o Efeito Tunísia?

"Together we fight against poverty, corruption and injustice” - manifestantes no Iêmen



O Efeito Tunísia é certamente o acontecimento político mais interessante até agora em 2011.

A simples possibilidade de gerar uma “onda” na região, fazendo com que o Magreb e a Península Arábica se modifiquem mais do que nos últimos anos é fascinante.

A coisa começou com a revolta na Tunísia deflagrada a partir do protesto suicida de Mohamed Bouazizi que ateou fogo ao próprio corpo ao não suportar que funcionários corruptos confiscassem seu carro de frutas.

O sucesso do levante popular tunisiano encorajou os povos vizinhos, especialmente a juventude que não aguenta mais estagnação econômica e regimes autoritários. Ignácio Ramonet (traduzido por Marco Aurélio Weissheimer) atesta:

"A derrocada da ditadura na Tunísia foi tão veloz que os demais povos magrebinos e árabes chegaram à conclusão de que essas autocracias – as mais velhas do mundo – estavam na verdade profundamente corroídas e não eram, portanto, mais do que 'tigres de papel'. Esta demonstração está ocorrendo também no Egito [...] a sociedade marroquina está seguindo os acontecimentos da Tunísia e do Egito, com excitação. Preparados para unir-se ao impulso de fervor revolucionário e quebrar de uma vez por todas as travas feudais. E para cobrar todos aqueles que, na Europa, foram cúmplices durante décadas dessas 'ditaduras amigas'"


Atenções voltadas especialmente para o Egito agora por o país ser aliado dos EUA na região e um Estado muito mais importante do que os ao redor. Mauricio Santoro escreveu: “O país que foi um dos centros mais importantes do pan-arabismo tornou-se uma ditadura estagnada economicamente, com um regime decrépito e sem apelo ideológico [...] À semelhança da Tunísia, a incipiente rebelião egípcia é motivada pela falta de oportunidades econômicas e pelo desgosto com a corrupção no governo. Internet, celulares e novas mídias desempenham papel importante na organização e mobilização dos manifestantes”.


A “onda” já atinge Iêmen, Argélia e Síria, segundo o The Guardian "Reverberations from the mass protests in Tunisia and Egypt continued to be felt around the Arab world as demonstrators gathered on the streets of Yemen for a 'day of rage' and Algeria became the latest country to try to defuse tensions by lifting its 19-year state of emergency […]More protests are expected across the region following Friday prayers, including in Syria, where activists have used Facebook to organise demonstrations in front of parliament in the capital, Damascus, and at Syrian embassies across the world […] 'Together we fight against poverty, corruption and injustice,' the protesters at Sana'a University chanted, between intermittent bursts of music and speeches delivered by opposition politicians from Yemen's Islamist, socialist and Nasserite parties”.

Hugo Albuquerque projeta: "Se tivemos mudanças importantes na América Latina na última década, hoje, a grande região que inclui o Magheb e o Oriente Médio sente novos e bons ventos soprando: Somada à decadência dos americanos, a degeneração dos regimes que lhes são fiéis, o avanço tecnológico e o aumento da organização dos movimentos sociais naqueles países estão minando o esquema de Washington"

Ainda há muito para acontecer, mas deve haver muita atenção para o “depois”. Se cair Mubarak, o que vem? Quais as consequências de a Irmandade Muçulmana se agarrar ao poder, ou de um renascimento do pan-arabismo nasserista?

Raphael Neves publicou e-mail de um amigo iraniano que diz: "The revolution in Iran was not Islamic to begin with, it became Islamicized in a brief period of time - in other words there were Islamic, Liberal, Marxist and Nationalist factions, as well as hybrid groups that drew upon several of these ideologies, but the Islamist strand in the end became hegemonic [...] The Muslim Brotherhood is of course the dominant opposition group in the latter case, and they would be the ones most prepared to take over if Mubarak does indeed fall. Yet I don't think that either country will necessarily produce a 'theocratic state'. Islamic factions will undoubtedly play roles in the political milieu of each country, but this doesn’t mean that they will conform to the caricatures of Islamic fundamentalism that are bandied about with such frequency in the Western press".

Segundo Mauricio Santoro: "Na clandestinidade há muitos anos, em tempos recentes costurou acordos com Mubarak, comprometendo-se a não atacar o governo em troca de certa liberdade para atuar por meio de organizações de fachada. A Irmandade é bem organizada e influente, estima-se que controle cerca de 20% dos deputados egípcios, e muitos dos sindicatos. O grande risco é que, num cenário de vácuo de poder, a disciplina e preparo de seus quadros lhe garantisse a liderança do Egito, à semelhança do que houve com os aiatolás no Irã, após a derrubada do xá".

No que dará o Efeito Tunísia?

Certo é que é fantástico por todo o calor político e inssureição que está gerando contra regimes não-democráticos e que está sendo um pesadelo para os EUA. Instabilidade é tudo que eles não querem na região. Novos governos - que não estejam necessariamente vinculados aos interesses estado-unidenses – mudam completamente a geopolítica da África e do Oriente Médio e os resultados disso são imprevisíveis.

É esperar pra ver. E torcer.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Documentos sobre guerra no Afeganistão vazam

DOWNLOAD DOS ARQUIVOS: aqui e aqui

O vazamento só vem a confirmar o que já se sabia.

Paquistão, ao mesmo tempo em que recebe milhões de dólares dos EUA para servir de aliado estratégico regional na Guerra ao Terror, apóia membros do Talebã visando seu domínio da Caxemira ao insuflar extremistas.

As tropas do país que mais investe em ciência e indústria bélica, não estão preparadas para esse conflito gigantesco. A Wikileaks já havia divulgado um vídeo em que soldados em um helicóptero matam jornalistas. As tropas da OTAN, que frequentemente erram o alvo, não estão sob a supervisão que deveriam estar.

Etc, etc, etc.

Crimes de guerra? Certamente aparecerão. E agora? O Conselho de Segurança vai clamar por respeito à Convenção de Genebra e por condenações conjuntas aos responsáveis? Haha.

Do Correio do Povo:

Os relatórios (do período de janeiro de 2004 a dezembro de 2009) trazem informações sobre mortes de civis causadas por forças americanas e acusações de que serviços de inteligência do Paquistão teriam apoiado militantes do Talebã.

Segundo o fundador do Wikileaks, Julian Assange, à primeira vista, dá a impressão de que existem provas de crime de guerra nestes documentos.

Do The Guardian:

The Afghanistan war logs series of reports on the war in Afghanistan published by the Guardian is based on the US military's internal logs of the conflict between January 2004 and December 2009. The material, largely classified by the US as secret, was obtained by the whistleblower website Wikileaks, which has published the full archive. The Guardian, along with the New York Times and the German weekly Der Spiegel, was given access to the logs before publication to verify their authenticity and assess their significance.

Do Estadão:

Parte dos documentos revelam que, em agosto de 2006, um relatório da inteligência americana teria constatado que Bin Laden teria ido a uma reunião em Quetta, perto da fronteira entre o Afeganistão e o Paquistão. Segundo o material, ele e outros líderes insurgentes, como Mullah Omar, do Taleban, estariam planejando ataques terroristas.

Quase 200 relatórios dizem respeito à Força Tarefa 373, uma unidade militar especial cujo trabalho era matar ou capturar comandantes da Al-Qaeda e do Taleban. Os arquivos mostram 144 incidentes envolvendo civis afegãos, incluindo 195 mortes.

Papel do Paquistão

Muitos dos documentos sugerem que o serviço de espionagem do Paquistão pode estar ajudando o Taleban a planejar e realizar ataques contra as forças internacionais no Afeganistão. Alguns relatórios também apontam a cooperação dos paquistaneses com a organização terrorista Al-Qaeda.

Oficiais da inteligência americana dizem que há alguns anos o Paquistão cortou o contato com os grupos taleban. O material, porém, sugere que o diretório de Interserviços de Inteligência, conhecido também como ISI, pode ter ajudado os rebeldes pelo menos no passado.

Os documentos detalham várias ocasiões de cooperação entre o general aposentado Hamid Gul, chefe do ISI no fim da década de 80, e os insurgentes afegãos que lutavam contra os americanos nas regiões montanhosas do leste do país.

Segundo eles, o general auxiliava combatentes mujaheddin e tentava estabelecer contato com Gulbuddin Hekmatyar e Jalaluddin Haqqani, dois dos maiores líderes insurgentes do Afeganistão. Além dos últimos dois, Gul também fez contato direto com Mohammed Omar, atual líder do Taleban.

O governo paquistanês negou as alegações. "Esses relatórios não refletem nada além de comentários e rumores de apenas uma fonte, que não considera os lados do Afeganistão e do Paquistão e geralmente se revelam falsos depois de melhor examinados", disse Husain Haqqani, embaixador do Paquistão nos EUA.

Alienação

Boa parte do material divulgado também apresenta queixas de funcionários do governo e civis afegãos. Há reclamações sobre tropas mal equipadas, autoridades corruptas e sobre tropas americanas que parecem aguardar recursos para lutar.

Os documentos ainda destacam que as mortes de civis causadas por erros em operações militares alienou os afegãos. Embora o número de baixas de pessoas não ligadas à guerra tenha decaído nos últimos meses, muitas não foram registradas

Da Folha:

REAÇÃO AFEGÃ

O governo afegão disse estar "chocado" com a proporção do vazamento, mas afirmou que grande parte das informações "não são novas".

Em entrevista coletiva em Cabul, o principal porta-voz presidencial, Wahid Omar, disse que o presidente do país, Hamid Karzai, se mostrou "surpreso" pelos mais de 90 mil documentos que vazaram da organização Wikileaks, mas não por seu conteúdo, já que o governo afegão "reiterou sua preocupação há muito tempo" pelos assuntos abordados.

O governo expressou o desejo de que o vazamento sirva para "conscientizar ainda mais" as potências estrangeiras sobre dois problemas sobre os quais o país vem insistindo: a morte de civis e os refúgios de terroristas no Paquistão.

Sobre o papel desempenhado pela espionagem paquistanesa (ISI) na guerra afegã, Omar disse que desde 2006, quando aumentaram os ataques terroristas de grande envergadura, o governo do Afeganistão já avisou que o êxito militar no país dependia das áreas tribais paquistanesas.

"Os documentos vazados que lemos até agora nos ajudarão, esperamos, a entender o papel desses fenômenos na guerra do Afeganistão", concluiu o porta-voz.

Foto: AFP

domingo, 25 de julho de 2010

A privatização da segurança e a democracia nos EUA


O RS Urgente traz a notícia de um artigo postado na Carta Maior por Reginaldo Nasser, mestre em Ciência Política pela UNICAMP e doutor em Ciências Sociais pela PUC (SP) área de concentração em Relações Internacionais. Professor do Departamento de Política da PUC(SP) desde 1989. Parecerista ad hoc da Revista Brasileira de Política Internacional e da Revista Brasileira de Ciencias Sociais. Pesquisador responsável do Instituto Nacional de Estudos Sobre os EUA (INEU). Desenvolve pesquisas na área de Política Internacional com ênfase em Conflitos Internacionais, Segurança Internacional, terrorismo, Oriente Médio, África e política externa dos Estados Unidos.

Os negritos são meus

"Durante essa semana os jornais noticiaram a morte de três seguranças da embaixada dos EUA em Bagdá, sendo que dois deles eram de Uganda e o outro do Peru, todos contratados por uma empresa privada de segurança. De certa forma a presença desses agentes de segurança não é um fenômeno novo, mas o que é novo é a dimensão desses fornecedores internacionais de segurança privada, cujo tamanho e especialização são equivalentes, e por vezes superiores, às forças armadas de vários Estados.

De acordo com o Departamento de Estado as forças armadas dos EUA devem se retirar do Iraque até o final de 2011, entretanto, o próprio departamento tratou de solicitar ao Congresso aumento substantivo do número de empresas de segurança privada no país, além de solicitar a compra de dezenas de helicópteros Black Hawk, veículos à prova de minas, sistemas de vigilância de alta tecnologia e outros equipamentos militares. "Depois da partida das forças militares dos EUA – disse um alto funcionário do departamento - continuaremos a ter uma necessidade crítica para apoio logístico de uma escala de magnitude e complexidade sem precedentes na história.”

No dia 22 de Julho o Washington Post divulgou produto de uma investigação de dois anos, realizada pelos jornalistas Dana Priest e William Arkin, mostrando em detalhes como as empresas privadas atuam em todos os setores que cuidam da segurança nacional dos serviços de inteligência dos EUA (cerca 70% do orçamento).

Com o fim da Guerra Fria, as Companhias Militares Privadas passaram a converter-se em soluções do mercado frente às novas tendências à privatização de várias funções governamentais, além disso, há que se considerar a diminuição significativa do patrocínio político-militar das grandes potências de que muitos países do terceiro mundo beneficiavam-se. A progressiva deterioração do perfil de segurança desses Estados e a redução dos exércitos são fatores que confluem para a consolidação de um verdadeiro mercado para a presença das forças privadas.

Estima-se que o mercado dessas atividades inclua várias centenas de empresas, que geram receita anual global de mais de 100 bilhões de dólares e são frequentemente utilizadas pelos mais diferentes atores em conflitos: grandes potências, ditadores em países da periferia, paramilitares, cartéis de drogas e até mesmo as missões de paz. Essas novas modalidades têm substituído, em certa medida, a utilização de mercenários tradicionais, preenchendo o vazio deixado em situações de instabilidade em que seus empregados são contratados como civis armados e, diferentemente dos militares, operam em “zonas cinzentas” como combatentes sem supervisão ou qualquer tipo de responsabilidade perante o direito internacional. Assim podem atuar livremente promovendo assassinatos, tortura, sabotagem etc (desenvolvi esse tema no livro Reginaldo Mattar Nasser. (Org.). Novas perspectivas sobre os conflitos internacionais. 1a ed. São Paulo: Unesp, 2010)

Nesse sentido, especialistas militares e funcionários do governo passaram a valorizar cada vez mais as experiências históricas em que os EUA exercitaram um tipo de operação militar freqüentemente ignorada pela maioria dos lideres políticos que preferem “glamourisar” as grandes guerras (1ª e 2ª guerras mundiais). Argumentam que foram, justamente, as experiências adquiridas nas pequenas guerras (small wars) em que insurgentes e guerrilheiros derrotaram foram derrotados é que lhe permitem tirar lições para o momento presente no Iraque e Afeganistão. A grande maioria dessas pequenas guerras foi empreendida pelas mais diferentes razões (morais, estratégicas ou econômicas) – e não foi necessário ter um significativo apoio popular. Na verdade a opinião pública, freqüentemente, simplesmente nunca soube o que estava acontecendo a respeito, e as tropas fizeram seu trabalho mesmo quando havia oposição.

Outra característica desse tipo de guerra é que não há, necessariamente, uma declaração de guerra por parte do governo dos EUA, que podem enviar força militar ao exterior, sem qualquer tipo de declaração e, portanto sem necessidade de autorização do congresso.

Vem crescendo uma avaliação nos EUA de que as democracias não conseguem vencer as “pequenas guerras”, principalmente porque as exigências morais e políticas vão muito além do que a oposição doméstica está disposta a aceitar. Nestas guerras as elites estabelecem uma oposição muito clara entre o que o governo entende que tem que fazer para vencer e aquilo que se considera politicamente aceitável dentro das regras democráticas e da avaliação da opinião pública de outro. As democracias têm problemas em convencer a sociedade da necessidade das vítimas na luta da contra-insurgência e, assim, uma parte da sociedade exerce forte pressão sobre o Estado com criticas sobre os custos morais e políticos a respeito da conduta das forças militares estabelecendo uma competição entre a sociedade e o estado. De outro lado, o Estado responde com manipulação e censura ameaçando as regras democráticas, a oposição nega ao Estado a sustentação popular e o consenso nacional necessários para estabelecer metas uniformes nos conflitos em que sua superioridade militar é inconteste. Ora, se as democracias não podem vencer as pequenas guerras, dane-se a democracia e para isso nada mais conveniente do que a 'privatização da segurança'".

Só pra citar um exemplo das digníssimas empresas: Blackwater