quarta-feira, 28 de julho de 2010

Considerações Iniciais


Começo aqui uma nova categoria de postagens: CONSIDERAÇÕES INICIAIS. Críticas e análises, não só minhas, sobre temas de importante discussão, que devem ter suas considerações constantemente "atacadas" por argumentos. São iniciais, porque, por óbvio, não são definitivas, principalmente deste que escreve. Inicio com o preferido da casa, aquele que considero o que acaba abarcando a todos os outros:

CONSIDERAÇÕES INICIAIS - DIREITO I

Ubi societas, ibi jus – Onde está a sociedade, está o Direito

A ideia para esta postagem veio de um trabalho realizado na disciplina de Introdução ao Estudo do Direito, na Faculdade de Direito da Fundação Escola Superior do Ministério Público, ministrada pelo Professor Jayme Weingartner Neto - Coordenador da Faculdade de Direito da FMP, Promotor de Justiça desde 1991. Graduado pela UFRGS, mestre em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade de Coimbra (Portugal) e doutor pela PUC/RS, na área de Instituições do Direito do Estado, além de leitor de Fernando Pessoa.

Em termos de pré-compreensão, você é: legalista, idealista, formalista, pragmático, realista, crítico, apologético...

Tento me definir como “apologético-crítico”. Por mais paradoxal que possa parecer em um primeiro momento, acredito que possa explicar o “conceito”. Sou apologético ao Direito por acreditar na força do Direito como instrumento de mudança, apesar de ser sim uma forma de dominação e de manutenção de um status quo, mas acredito que só ele pode responder, como instrumento de correção, de forma eficaz às deturpações desse status quo.

O Direito deve se desenvolver sempre, sendo uma ferramenta capaz de garantir aos cidadãos base para que cresçam como indivíduos e como comunidade. Para esse papel transformador do Direito, me ponho ao lado da corrente crítica, julgando imprescindível que os que estudam Direito sejam os mais críticos a ele. Um estudante de Direito não pode se tornar simplesmente um técnico, ele deve ser capaz de enxergar o Direito como fruto do homem e de seu desenvolvimento político-econômico e principalmente ser capaz de visualizar as consequências da aplicação do Direito. O técnico aplica eficazmente as normas, é capaz das maiores proezas jurídicas, mas não é teleológico. O fim, a conseqüência, deve ser preocupação constante do aplicador do Direito. E se esse aplicador não procurar estudar Sociologia, Política, Economia, Filosofia, não terá compreensão sobre seu objeto de trabalho e continuará um processo de imbecilização do Direito. Na realidade, os opressores e exploradores simplesmente aplicam o direito em vigor (Professora Bernadotti, personagem do livro O caso dos Denunciantes Invejosos, de Dimitri Dimoulis, autor abaixo mencionado). Cito novamente o Professor Plauto Faraco de Azevedo: Não se pode considerar a norma jurídica isoladamente, sendo necessário buscar sua conexão com seu fim, com seu conteúdo ético-jurídico e com sua repercussão social, com as condições históricas em que surge com seu desenvolvimento em nossa época. Donde ser indispensável ligar vários aspectos: o histórico, o sociológico e o sistemático, ou, como dizia o jovem Savigny, o filosófico. Só assim, com está visão ampla, pode a Ciência jurídica desempenhar de modo satisfatório a tarefa social que lhe incumbe.

Identifica-se com alguns dos conceitos históricos analisados, de Celso a Eros Roberto Grau?

Os conceitos estudados estão no livro Manual de Introdução ao Estudo do Direito, de Dimitri Dimoulis - Bacharel em Direito pela Univ. Nacional de Atenas, Mestre em Direito público pela Univ. Paris I (Panthéon-Sorbonne), Doutor em Direito pela Univ. Saarland, Pós-Doutorado pela mesma Universidade. Professor da Escola de Direito de São Paulo da FGV. Diretor do Instituto Brasileiro de Estudos Constitucionais.

Os conceitos são de: Platão, São Tomás de Aquino, Hobbes, Pufendorf, Spinoza, Rousseau, Kant, Hegel, Savigny, Bergbohm, Ehrlich, Kelsen, Pachukanis, Alexy e de Eros Roberto Grau.

O conceito de Kant¹, através dos imperativos categóricos, me parece essencial para a conceituação do Direito. Diferentemente de outras ciências sociais, o Direito não procura revelar o que acontece, mas o que deveria acontecer, deve servir de horizonte ético, devendo conciliar as liberdades individuais com as liberdades coletivas. A partir de Kant, podemos passar para o conceito de Alexy², que assinala que o legislador deve criar regulamentos razoáveis e adequados respeitando os mandamentos da justiça e de que o ordenamento jurídico não compreende somente as normas explicitamente criadas por este legislador, mas também os princípios aceitos pela sociedade e que o Direito é autoridade, correção e eficácia social. Acrescento ainda a Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale para reforçar a ideia de que o Direito é produto de construção político-econômica - mas não deve ser suplantado pela Política e pela Economia - e que está inerentemente atrelado à realidade social.

1 Kant considera o direito como produto da sociedade e expressão de obrigações morais dos indivíduos. A diferença entre a moral e o direito está no fato de que o direito ameaça com coação em caso de descumprimento da norma e não se interessa pelos motivos da ação dos indivíduos, mas somente pelos seus resultados.

O direito deve expressar uma regra básica: devemos atuar de forma que a nossa conduta possa valer como lei geral.

O objetivo do direito é conciliar a liberdade de cada um com a liberdade dos demais, de forma que a liberdade possa prevalecer como regra geral. Para ele, o direito é o conjunto de regras estabelecidas pelo Estado para garantir a liberdade de todos os indivíduos e não somente sua sobrevivência, como dizia Hobbes. Assim sendo, Kant sustenta que o direito não é simplesmente o útil, mas o certo. O direito positivo só é aceitável quando respeita a regra de ouro e preserva a liberdade de todos.

2 Segundo Alexy, a definição dada ao direito por autores positivistas como Bergbohm e Kelsen não é suficiente. Para reconhecer a validade de uma norma não basta que ela seja criada pelas autoridades competentes conforme a Constituição e que o ordenamento jurídico seja globalmente aceito pela sociedade. O autor considera que o direito está estritamente vinculado aos preceitos morais vigentes em determinada sociedade.

Isso significa, em primeiro lugar, que as normas “extremamente injustas” não são válidas, mesmo que as autoridades do Estado as apliquem. As normas jurídicas devem manifestar a vontade do legislador de criar regulamentos razoáveis e adequados, respeitando os mandamentos da justiça.

Em segundo lugar, o ordenamento jurídico não compreende somente as normas explicitamente criadas pelo legislador, mas também os princípios morais aceitos pela sociedade. O direito não possui uma “dimensão real” (normas criadas pelo legislador), mas também uma “dimensão ideal” que lhe dá sentido enquanto conjunto de normas que objetivam satisfazer as exigências de justiça.

Qual relação observa entre direito/coerção e entre direito/Estado?

O Direito é a força legitimada - ou teoricamente legitimada, e sobre tal questão não tenho pretensão agora nem conhecimento para resolvê-la – para fazer valer uma ordem fundada em certo conjunto de regras e princípios relevantes para determinada sociedade. A teoria de Hobbes é necessária para que possamos enxergar no Estado o responsável pela força organizada para a garantia de respeito aos direitos de cada cidadão e para a garantia de uma sociedade que não se anomize pelo estado de natureza. A partir do estabelecido por Hobbes podemos chegar a Rousseau³ para quem o Direito é produto de vontade política de mudança como expressão da “vontade geral” através de um pacto social democrático.

Uma ressalva, e com ela não quero parecer elitista-conservador-preconceituoso. Rousseau propõe um conceito que a meu ver hoje é por demais utópico, ainda mais para países com democracias não totalmente consolidadas e falta de espírito republicano. Acredita na autolegislação, através de instrumentos como plebiscitos, para uma democracia que realmente determine a vontade geral. Quando ouço críticas à política nacional, de que o povo não tem participação e defendendo maior frequência de plebiscitos para as decisões nacionais me assusto. Já imaginaram uma massa (e aqui não quero dizer os pobres, mas a massa representada por todas as classes) despolitizada decidindo? Gente simples, aos milhares, que busca conforto em pastores neopentecostais e acabam lhes servindo de massa de manobra; uma classe média que falhou e continua falhando como cidadã, que não sabe em quem votou na última eleição e que não tem preocupação de entender as diferenças entre projetos políticos e uma elite acomodada decidindo pontos polêmicos como direitos homoafetivos e liberalização de drogas não me soa nada promissor. Não quero dizer que estou satisfeito e que confio em nossos nobres representantes legislativos, muito pelo contrário, mas a ideia plebiscitária não me satisfaz.

A solução? Não sei. Alguém sabe, além dos argumentos de investimentos em educação, segurança, etc?

3 Rejeitando a visão autoritária de Hobbes, que falava de um pacto de sujeição ao Estado, Rousseau entende que o pacto social deve permitir que o povo crie suas próprias lei e não se submeta à vontade dos poderosos

Encontramos aqui o ideal da autolegislação fundamentado em um pacto social democrático. O direito deve expressar a soberania do próprio povo e garantir a ordem e a segurança sem abolir a liberdade dos membros da sociedade. O direito deve resultar de decisões da própria coletividade e defender seus interesses (expressão da vontade geral)

O direito aparece, assim, como produto de uma vontade política de mudança.

Proposta de Conceituação:

A Engenharia como aplicação da Matemática e da Física; a Medicina como aplicação da Química, da Biologia e da Física; a Economia como aplicação da História e da Matemática. Através dessa analogia extremamente simplista busco construir meu conceito de Direito, e este se vale de que:

O Direito deve ser a aplicação das Ciências Humanas. O Direito deve buscar a confluência dos ensinamentos da História, da Filosofia, da Sociologia, da Antropologia, da Política, da Economia, estando o dever-ser organizado em normas e aplicado pelo Estado na pretensão de correção e na direção de uma justiça distributiva para o fortalecimento dos ideais democráticos, republicanos e cidadãos.

Imagem: Têmis na Corte de Justiça da Austrália. Fonte: Benites Jurídico

4 comentários:

  1. "apesar de ser sim uma forma de dominação e de manutenção de um status quo, mas acredito que só ele pode responder, como instrumento de correção, de forma eficaz às deturpações desse status quo."

    Só posso concordar contigo se esse direito (no sentido de sistema jurídico) tiver sido construido e possa ser moldado por um governo preocupado principalmente com a liberdade e com o respeito aos direitos humanos.

    Levando em conta que qualquer mudança feita através de instrumentos institucionais é limitada pelas regras e princípios que regem o Estado, é preciso garantir certos direitos individuais em detrimento do governo, através de mecânismos criados pelo próprio Estado com objetivo de auto regulação.

    O que eu quero dizer é que em um Estado totalitário, onde não existe separação entre o civil e o estatal, não há meios suficientes para se fazer mudanças para o bem de um indivíduo ou de um grupo se for em detrimento do Estado.

    Nem sempre o sistema jurídico é o suficiente para mudar o status quo.

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  2. Autoregulação é fundamental. Essa regulação deve ter participação forte da sociedade civil, através de diversas entidades, como Tortura Nunca Mais, Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Universidades e por aí vai.

    Como tu disseste, "qualquer mudança feita através de instrumentos institucionais é limitada pelas regras e princípios que regem o Estado". A realidade está aí, Brasil: Sociedade Capitalista e Estado Democrático de Direito (sem entrar nos detalhes sobre nossa democracia brasileira e nosso capitalismo). Pragmaticamente não vejo possibilidades de "revolução", esse status quo está bem assentado, por isso disse que só o direito pode responder, fazendo valer a decisão pela força, dentro desse sistema.
    Concordo que o sistema jurídico não tem como mudar o status quo, ele age por dentro do status quo, se romper com ele, se desmancha.

    O que acho primordial é o direito no Brasil fazer valer uma República verdadeira, porque não existe qualquer espírito republicano na nossa sociedade. Com um sistema republicano acho possível, na medida do possível é claro, uma busca concreta por direitos coletivos e individuais, aí entra o que tu disseste "tiver sido construido e possa ser moldado por um governo preocupado principalmente com a liberdade e com o respeito aos direitos humanos"

    Valeu!
    abraço.

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  3. Como um leigo no assunto, vejo o direito como uma ferramenta para a legitimação da ética, da moral e do conhecimento.

    Sobre os plebiscitos, falta um amadurecimento da nossa sociedade. O problema não é que essa "massa" não và saber decidir, porque é justamente ela que coloca os representantes lá e que vão acabar decidindo por elas, então, ao meu ver, dá na mesma... Os plebiscitos são importantes para que se saiba a opinião da população, mesmo que ela não tenha uma. As pessoas, talvez não todas, pelo menos saberiam o que está sendo decidido, o que sabemos muito bem que não acontece.

    No último parágrafo, eu acrescentaria (sem querer puxar pro meu lado, hehehe) o meio ambiente. Ele está muito relacionado com os outros termos colocados por ti.

    abraço

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  4. Falar sobre a moral no direito é um problema, é uma discussão antiga.
    Acredito que a moral e o direito estão entrelaçados, e na força dele para a legitimação da ética e da necessidade do conhecimento para as decisões (como tu colocaste no "Conto do Dingo", que futuramente será postado aqui)

    Falta amadurecimento certamente. Amadurecimento do Estado, da instituições (volto na questão da necessidade de uma República de verdade). Quando tu colocas "Os plebiscitos são importantes para que se saiba a opinião da população", acho melhor dizer que servem para que se conheça o "sentimento", a percepção da população sobre o assunto determinado.

    Tirei do Depósito do Maia isso aqui:

    "Mais da metade do eleitorado brasileiro (53,56%) são pessoas com nenhum ou poucos nível escolar: 33,09% têm primeiro grau incompleto, 14,57% apenas leem e escrevem e 5,9% são analfabetos. Os dados do eleitorado divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que a Região Nordeste tem o maior número de eleitores analfabetos,11,05%. Os que apenas leem e escrevem -chamados de analfabetos funcionais - são 24,19% dos eleitores. Em segundo lugar, está a Região Norte, com 8% de analfabetos...

    Extraído de: Correio do Brasil - 23 de Julho de 2010"

    abraço.

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